Sunday, October 17, 2004

Primeiras intervenções no jornalismo de ideias

O primeiro artigo de intervenção cívica que publiquei, quando andava no primeiro ano da Faculdade de Direito de Coimbra, surgiu no semanário O Debate, em 12 de Março de 1970, com um significativo título: O Mal Está na Raiz. Contudo, a censura logo despachou metade de um texto onde ingenuamente procurava a verdadeira ordem e proclamava a minha fé de jovem monárquico, ainda marcado pelas leituras que fazia de António Sardinha e Luís de Almeida Braga, os meus primeiros mestres.

No artigo seguinte, onde propunha contribuir Para a Reforma do Homem, já mostrava ingénuas pretensões teóricas sobre a solidariedade e o sentido social, sendo claramente influenciado pelo ensino personalista de António Castanheira Neves com quem aprendi a invocar Aristóteles, Kant e Teilhard de Chardin. Foi o ponto de partida para alguma actividade de jornalista de ideias, com centenas de escritos dispersos.

Não me faltou, ainda antes de 1974, uma inequívoca defesa das teses e práticas do General António de Spínola, depois de ter visitado a Guiné, onde, sob o magistério de Manuel Belchior, outro nome de uma galeria de ilustres afastados por não se submeterem ao revisionismo histórico, assisti a algumas sessões do Congresso do Povo e contactei com alguns dos militares que irão ter intervenção no frustrado movimento de 16 de Março de 1974.

Dois anos depois, já tentava analisar a crise psicológica do país, na senda do pensamento de António Quadros, considerando que o absolutismo antifascista continuava tão absolutista. quanto o anticomunismo do antigo regime e temendo que a democracia pudesse perder o sentido dos gestos, naquilo que qualificava como uma espécie de guerra civil fria.

Viviam-se os vícios de uma ressaca pós-revolucionária que não conseguia desatar os nós do 11 de Março de 1975 e quando não se entendia que as maiorias políticas estáveis e coerentes só seriam alcançadas quando precedidas por uma maioria moral e cultural. Aliás, Portugal quase parecia querer entrar para o Guiness da social-democracia que se estendia de José Miguel Júdice a Manuel Alegre, passando por destacados ex-discípulos de Arnaldo de Matos.

Critiquei frontalmente o complexo isolacionista do cavaquismo, a quem convinha à mesma direita um partido que considerasse a direita incompatível com a liberdade, numa altura em que o CDS acentuava a defesa da liberdade e do institucionalismo democrático, contra a nebulosa de um cheque em branco a eventuais homens providenciais. Então, Cavaco Silva tentava fazer o contrário do laxismo dos governos soaristas, assumindo uma acutilância que, apesar de corajosa, tocava, por vezes as raias da arrogância. Porque, se não queria repetir o Marquês de Pombal nem João Franco, parecia, por vezes, cair nas tentações de Costa Cabral.

Na altura o líder do PSD afirmava-se social-democrata e bernesteiniano, admirador do socialismo reformista a alemã e adepto da esquerda moderna, quando o respectivo partido não passava de uma entidade atrappe tout, como uma federação de famílias unificadas por um estilo individual de liderança, onde contava menos a ideologia e mais o discurso eficaz, capaz de levar a bons resultados eleitorais.

Poucos percebiam que as pós-revoluções são restaurações, onde a continuidade supera a evolução. Porque aos Invernos, mais ou menos longos, se sucedem as Primaveras e, a estas, os Verões, mais ou menos quentes, para que, com o Outono, se volte ao cair da folha. Aliás, o dito cavaquismo dobrava-se sobre si mesmo e, debatendo-se com os seus próprios fantasmas, corria sérios riscos de esquizofrenia.

Já então considerava que a direita ou seria uma nova direita ou não podia ser nada em termos políticos. Porque a direita que não teme ser de direita concebe a democracia numa perspectiva gassettiana, como uma espaço de diálogo entre adversários. Um diálogo entre posições que, por serem diversas, não podem deixar de ter lugares-comuns.

Critiquei Cavaco Silva por este ter proclamado que quem não apoiasse o respectivo governo seria arrastado pelos comunistas, considerando que o complexo isolacionista podia ser um péssimo conselheiro. Invocando o facto de Sá Carneiro ter denunciado o poder pessoal de Ramalho Eanes, quando este assumiu o hibridismo bonapartista, rejeitei frontalmente a nebulosa de um cheque em branco em eventuais homens providenciais.

Analisei a direita disponível para integrar o situacionismo cavaquista, com destaque para a direita jet-set, a tal direita dos interesses que não quer conciliar-se com a direita dos princípios e que criticava o CDS de então por este se assumir como o partido dos pobres. Porque havia um país das realidades que acredita na liberdade contra o condicionamento da criatividade, que ansiava por justiça social contra os privilégios, que preferia a solidariedade ao falso igualitarismo.

Atacando o PSD, por este pretender assumir-se como um Estado dentro do Estado, considerei que a herança de Sá Carneiro não podia admitir sucedâneos de bipolarização. Uma pentarquia onde os dois maiores partidos queriam bipolarizar-se solitariamente, criando artificialmente um rotativismo que admitiam poder ser de simples governos minoritários.

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