Sunday, October 17, 2004

Adesão ao nacionalismo liberal

Marcado pelas circunstâncias dos meus tempos de estudante universitário de Coimbra, entre a crise académica de 1969 e o 25 de Abril de 1974, nunca andei pelas barricadas da esquerda, mas, antes nas zonas de fronteira da chamada direita coimbrã, quando tinha um pé na zona emocional dos monárquicos oposicionistas, que tinham apresentado a lista da Comissão Eleitoral Monárquica nas eleições de 1969, e outro, no chamado lusotropicalismo, que tinha a ilusão romântica de apoiar o spinolismo.

A história vivida e estudada fez-me, assim, anti-revolucionário, enquanto o pendor tradicionalista me levou a acentuar o anti-absolutismo. Permaneci de direita e assumi-me como liberal. Fui, aliás, especialmente marcado pelo estudo da história das ideias políticas portuguesas e pela redescoberta do nacionalismo liberal de Garrett, Herculano, Pascoaes e Leonardo Coimbra. Amadureci, depois, com aquela formação jurídica que me desvendou os segredos do Estado de Direito e a axiologia jurídica personalista, misturando a racionalidade valorativa com a racionalidade finalística.

Faço assim parte daquela geração marcada por sucessivas derrotas e outras tantas maldições, porque, estando mal com o regime anterior a 1974, nunca secundou as modas do Maio 68, vivendo entre um certo romantismo nacional-revolucionário e a permanência de alguns sinais de um tradicionalismo monárquico, institucionalista e anti-estatista.

Assumindo estas raízes, observei comprometidamente o processo revolucionário, que teve o seu curso em 1974-1975, como inevitável consequência da chegada ao aparelho de poder daquela esquerda que já dominava os aparelhos culturais e era subsidiada pelos aparelhos económicos. Esta tribo político-cultural foi, por isso, condenada à resistência, à desistência ou ao silêncio. Atirada para o exílio, a prisão, o saneamento ou a simples marginalidade, não pôde, ou não quis, alinhar na encenação partidária ocorrida a partir de então. Por isso, muitos de nós só reencontraram através da imaginação criadora de Francisco Lucas Pires, já depois da chamada revolução conservadora e liberal dos anos oitenta nos ter reanimado, enquanto certa extrema-esquerda se reciclava em Oxford, nos Estados Unidos e nas sacristias italianas, para, depois, com os holofotes dos mass media, se aliar a salazaristas e a outros clones, para, mais uma vez, aparecer na crista da onda nova.

Por mim, acolhendo-me à sombra da bandeira do nacionalismo liberal, ideia já assumida, cinquenta anos antes, por Fernando Pessoa, aderi, pela primeira vez a um partido, sonhando que o portugueses podiam retomar algumas sendas do republicanismo antijacobino e antipositivista, do liberalismo monárquico e do consensualismo pré-pombalino.

Assim, marcado pela mesma fonte axiológica que levou à democracia-cristã original e fiel à matriz que gerou a democracia social do pós-guerra, institucionalista e personalista, considerei que tal fundo permanente de valores podia iluminar a sensibilidade liberal, acentuando a luta contra o estatismo, socialista, social-democrata ou simplesmente tecnocrático. Nacionalista por princípio e apenas liberal por conclusão, considerei que esse CDS poderia enraizar-se na sociedade portuguesa, se se portugalizasse doutrinariamente.
Tentei, então, pela militância partidária, denunciar um sistema político-económico, filho bastardo de um projecto de revolução comunista e de um situacionismo comodista, onde se misturou o ódio da inveja com a desigualdade e a falta de justiça social. Um sistema onde não havia moralidade e onde só alguns continuaram a comer à mesa do orçamento. Um sistema que, depois, caiu na teia da personalização do poder e dos consequentes vícios do autoritarismo, mesmo quando aparecia vestido com as peles de cordeiro da democracia plebiscitária.

Aderi a um partido que assumiu a resistência ao marxismo-gonçalvista e que, depois do percalço de uma ligação a um governo socialista e o segundo parceiro da coligação vencedora das eleições de 1979, estava, então, no oposição, e tinha de crescer a partir da sua própria história para, sem renegar o passado, se assumir como fulcro de uma nova maioria para mudar Portugal, como a força desencadeadora de um novo sistema político democrático que libertasse Portugal das algemas do socialismo e da revolução. Porque os portugueses tinham que vencer a revolução para construir a democracia plena e acabar com o socialismo para dignificarem o cidadão e a sociedade, enquanto esteios do Estado.

Acreditando ser possível uma nova maioria assente numa alternativa moral, enraizada na sociedade civil e na autonomia dos cidadãos, eis que, em pleno Bloco Central, defendi que o partido não devia chegar ao poder pelo poder, mas lutar para mudar o próprio sistema de poder, recusando a luta política entendida como mera continuação da guerra civil por outros meios. Porque, quem havia recusado a ruptura revolucionária ou simplesmente golpista, não podia a seguir as metodologias dos ecletismos hibridamente passivos, típicos dos centristas, esses que apenas dizem situar-se entre a direita e a esquerda. Pelo que devia assumir uma nova forma de combate político ao serviço de valores que ultrapassassem os meros fins político-partidários.

Entendi que havia um projecto dotado de uma base ética, inspiradora de várias acções políticas, de marca democrata-cristã, liberal e conservadora. Porque importava acompanhar o renascimento liberal que, no Ocidente de então, começava a reconciliar a tradição com o progresso e o desenvolvimento económico com a justiça social, nos quadros da autonomia da sociedade civil e de um Estado com menos extensão e mais autoridade.

Acentuei, sobretudo, a necessidade de se assumir a tradição da direita democrática e regeneradora fazendo mergulhar o ideário do partido nos factores democráticos da formação de Portugal e reencontrar o universalismo da tradição portuguesa com as formas representativas da democracia. Porque só poderíamos universalizar-nos sem nos desnacionalizarmos, enraizando a democracia no nosso próprio modo de estar no mundo.

Defendendo a alternativa de uma nova direita democrática, da força de uma filosofia de esperança, considerei necessário que se vencessem os complexos de esquerda e os fantasmas revolucionários. Haveria que assumir a revolta dos portugueses para se recuperar a identidade nacional, dignificar a democracia, salvaguardar a esperança e construir o futuro.

Talvez por tudo isto é que, quando o então meu partido, novamente presidido por Diogo Freitas do Amaral, se deparou com a hipótese de eu poder substituir o deputado eleito por Braga, acidentado na Jamba, em Angola, nos quatro notáveis que o povo havia escolhido para o CDS, acabei por ascender formalmente ao hemicilo de São Bento, de 31 de Agosto a 24 de Setembro de 1987. Acontece que, graças à diligência do então chefe do grupo parlamentar, Professor Doutor Narana Sinai Coissoró, também ele substituto, apenas me foi dado conhecimento de ter sido deputado da pátria, depois de já o ter sido, numa altura em que um jornal dependente da direcção do partido anunciava o receio do táxi freitista-adrianista ver ascender um perigoso radical a tal postura de livre expressão da palavra.


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