Folhas do meu cadastro

Sunday, October 17, 2004

Adesão ao nacionalismo liberal

Marcado pelas circunstâncias dos meus tempos de estudante universitário de Coimbra, entre a crise académica de 1969 e o 25 de Abril de 1974, nunca andei pelas barricadas da esquerda, mas, antes nas zonas de fronteira da chamada direita coimbrã, quando tinha um pé na zona emocional dos monárquicos oposicionistas, que tinham apresentado a lista da Comissão Eleitoral Monárquica nas eleições de 1969, e outro, no chamado lusotropicalismo, que tinha a ilusão romântica de apoiar o spinolismo.

A história vivida e estudada fez-me, assim, anti-revolucionário, enquanto o pendor tradicionalista me levou a acentuar o anti-absolutismo. Permaneci de direita e assumi-me como liberal. Fui, aliás, especialmente marcado pelo estudo da história das ideias políticas portuguesas e pela redescoberta do nacionalismo liberal de Garrett, Herculano, Pascoaes e Leonardo Coimbra. Amadureci, depois, com aquela formação jurídica que me desvendou os segredos do Estado de Direito e a axiologia jurídica personalista, misturando a racionalidade valorativa com a racionalidade finalística.

Faço assim parte daquela geração marcada por sucessivas derrotas e outras tantas maldições, porque, estando mal com o regime anterior a 1974, nunca secundou as modas do Maio 68, vivendo entre um certo romantismo nacional-revolucionário e a permanência de alguns sinais de um tradicionalismo monárquico, institucionalista e anti-estatista.

Assumindo estas raízes, observei comprometidamente o processo revolucionário, que teve o seu curso em 1974-1975, como inevitável consequência da chegada ao aparelho de poder daquela esquerda que já dominava os aparelhos culturais e era subsidiada pelos aparelhos económicos. Esta tribo político-cultural foi, por isso, condenada à resistência, à desistência ou ao silêncio. Atirada para o exílio, a prisão, o saneamento ou a simples marginalidade, não pôde, ou não quis, alinhar na encenação partidária ocorrida a partir de então. Por isso, muitos de nós só reencontraram através da imaginação criadora de Francisco Lucas Pires, já depois da chamada revolução conservadora e liberal dos anos oitenta nos ter reanimado, enquanto certa extrema-esquerda se reciclava em Oxford, nos Estados Unidos e nas sacristias italianas, para, depois, com os holofotes dos mass media, se aliar a salazaristas e a outros clones, para, mais uma vez, aparecer na crista da onda nova.

Por mim, acolhendo-me à sombra da bandeira do nacionalismo liberal, ideia já assumida, cinquenta anos antes, por Fernando Pessoa, aderi, pela primeira vez a um partido, sonhando que o portugueses podiam retomar algumas sendas do republicanismo antijacobino e antipositivista, do liberalismo monárquico e do consensualismo pré-pombalino.

Assim, marcado pela mesma fonte axiológica que levou à democracia-cristã original e fiel à matriz que gerou a democracia social do pós-guerra, institucionalista e personalista, considerei que tal fundo permanente de valores podia iluminar a sensibilidade liberal, acentuando a luta contra o estatismo, socialista, social-democrata ou simplesmente tecnocrático. Nacionalista por princípio e apenas liberal por conclusão, considerei que esse CDS poderia enraizar-se na sociedade portuguesa, se se portugalizasse doutrinariamente.
Tentei, então, pela militância partidária, denunciar um sistema político-económico, filho bastardo de um projecto de revolução comunista e de um situacionismo comodista, onde se misturou o ódio da inveja com a desigualdade e a falta de justiça social. Um sistema onde não havia moralidade e onde só alguns continuaram a comer à mesa do orçamento. Um sistema que, depois, caiu na teia da personalização do poder e dos consequentes vícios do autoritarismo, mesmo quando aparecia vestido com as peles de cordeiro da democracia plebiscitária.

Aderi a um partido que assumiu a resistência ao marxismo-gonçalvista e que, depois do percalço de uma ligação a um governo socialista e o segundo parceiro da coligação vencedora das eleições de 1979, estava, então, no oposição, e tinha de crescer a partir da sua própria história para, sem renegar o passado, se assumir como fulcro de uma nova maioria para mudar Portugal, como a força desencadeadora de um novo sistema político democrático que libertasse Portugal das algemas do socialismo e da revolução. Porque os portugueses tinham que vencer a revolução para construir a democracia plena e acabar com o socialismo para dignificarem o cidadão e a sociedade, enquanto esteios do Estado.

Acreditando ser possível uma nova maioria assente numa alternativa moral, enraizada na sociedade civil e na autonomia dos cidadãos, eis que, em pleno Bloco Central, defendi que o partido não devia chegar ao poder pelo poder, mas lutar para mudar o próprio sistema de poder, recusando a luta política entendida como mera continuação da guerra civil por outros meios. Porque, quem havia recusado a ruptura revolucionária ou simplesmente golpista, não podia a seguir as metodologias dos ecletismos hibridamente passivos, típicos dos centristas, esses que apenas dizem situar-se entre a direita e a esquerda. Pelo que devia assumir uma nova forma de combate político ao serviço de valores que ultrapassassem os meros fins político-partidários.

Entendi que havia um projecto dotado de uma base ética, inspiradora de várias acções políticas, de marca democrata-cristã, liberal e conservadora. Porque importava acompanhar o renascimento liberal que, no Ocidente de então, começava a reconciliar a tradição com o progresso e o desenvolvimento económico com a justiça social, nos quadros da autonomia da sociedade civil e de um Estado com menos extensão e mais autoridade.

Acentuei, sobretudo, a necessidade de se assumir a tradição da direita democrática e regeneradora fazendo mergulhar o ideário do partido nos factores democráticos da formação de Portugal e reencontrar o universalismo da tradição portuguesa com as formas representativas da democracia. Porque só poderíamos universalizar-nos sem nos desnacionalizarmos, enraizando a democracia no nosso próprio modo de estar no mundo.

Defendendo a alternativa de uma nova direita democrática, da força de uma filosofia de esperança, considerei necessário que se vencessem os complexos de esquerda e os fantasmas revolucionários. Haveria que assumir a revolta dos portugueses para se recuperar a identidade nacional, dignificar a democracia, salvaguardar a esperança e construir o futuro.

Talvez por tudo isto é que, quando o então meu partido, novamente presidido por Diogo Freitas do Amaral, se deparou com a hipótese de eu poder substituir o deputado eleito por Braga, acidentado na Jamba, em Angola, nos quatro notáveis que o povo havia escolhido para o CDS, acabei por ascender formalmente ao hemicilo de São Bento, de 31 de Agosto a 24 de Setembro de 1987. Acontece que, graças à diligência do então chefe do grupo parlamentar, Professor Doutor Narana Sinai Coissoró, também ele substituto, apenas me foi dado conhecimento de ter sido deputado da pátria, depois de já o ter sido, numa altura em que um jornal dependente da direcção do partido anunciava o receio do táxi freitista-adrianista ver ascender um perigoso radical a tal postura de livre expressão da palavra.


O abandono do CDS nos tempos do segundo Freitas

A minha maneira de ser direita liberal sempre se incompatibilizou com os que entenderam o liberalismo de acordo com as concepções restritas do neo-liberalismo e com os que tentaram uma direita de beatério populista. Com efeito, a direita que passou a dominar o CDS era uma direita burguesa demais para os pequenos-burgueses e citadina em excesso para os ruralões. Era uma direita muito esteticamente yuppie e neo-rockeira que não gostava de plebeus do terra a terra.

Saí do partido quando o mesmo passou a ser um mero agente do eixo Lisboa-Cascais, com delegação na Foz do Porto e outras tantas tentativas de imitação nas muitas discotecas da província. Isto é, quando se transformou no partido da geração de O Independente, tudo com óculos de marca exógena, tudo com casaquinhos de executivo de multinacional, tudo com as mesmas vestes da geração banco-burocrática. Quando voltou a cair na armadilha de um grupo que, tendo a má imagem do partido dos ricos, tratou de aderir, através de todas estas opções geracionais, mais estéticas e vivenciais do que políticas, às próprias ideias dos ricos.

A opção, que até foi benéfica em termos de resultados eleitorais, constituiu, para mim, uma flagrante violação daquilo que considerava o cerne da lealdade básica às minhas origens e às minhas concepções do mundo e da vida, marcadas pelo tradicionalismo consensualista português, de raiz monárquica e institucionalista.

Sendo mais libertacionista do que liberalista, continuei a reivindicar aquele conceito tomista de justiça que a não reduz à justiça comutativa do animal de trocas, antes exige a permanência vivificante da justiça distributiva e da justiça social. Neste sentido, tinha que continuar a acentuar os valores da solidariedade e da justiça, na linha dos desenvolvimentos doutrinários de João Paulo II.

Pertenço a uma direita sociológica com alguns laivos justicialistas que não subscreve o entendimento quase marialva do conceito de direito de propriedade. Julgo, aliás, que o nosso proprietarismo vem menos da revolução burguesa do século XIX, do que da revolução alodial do minifundarismo medieval, onde mergulham os factores democráticos da formação de Portugal. Porque adiro a esta concepção do mundo e da vida, tenho de me posicionar contra os actuais defensores da religião secular do mercadismo, protestante demais para as minhas raízes franciscanas e jesuíticas.

E não me bastou que alguns batessem com a mão no peito do pieguismo e do pietismo, porque, mesmo num partido marcado pela axiologia da democracia-cristã tinha que assumir-se uma perspectiva política independente da sacristia e dos muitos beatos que dela eram satélites.
Sendo daquela direita que está muito à esquerda do marialvismo, do pietismo, do mercadismo e do proprietarismo, sempre quis ter as mãos livres para poder votar na força política que fosse mais próxima desta mundivivência. Porque considero que a política tem de ser marcada pela preponderância da ética da convicção sobre a ética da responsabilidade, não sou capaz de ceder aos neo-maquiavelismos e neo-realismos que adoram o bezerro de ouro do utilitarismo e do pragamatismo.

Foi, então, que, exercendo um dos meus direitos fundamentais, que era o de pedir a desfiliação do CDS, invoquei o princípio geral de direito sic rebus, sic stantibus. Não o fiz, contudo, à maneira dos divórcios litigiosos, onde o amor-ódio costuma embrenhar-se em pretextos de faca e alguidar, sejam decisões congressistas ou actos pessoais de ingratidão da liderança mais recente.

Se mantive a minha relação de comunhão institucional com tal entidade, logo concluí que esse amor passou a pertencer a um passado que foi deixando de existir.

Mas não fiquei desiludido da luta política, dado que a mesma me continuou a entusiasmar e desenvolvendo certa sociologia da esperança nesses domínios, apareci como activista do movimento Portugal Plural, um dos fundadores da organização cívica Intervenção Radical e estive presente, desde os caboucos, no projecto de partido Nova Democracia. Sempre tive a limpeza de querer sujar as mãos!

Sentia-me, então, cada vez menos liberal e cada vez mais libertacionista, cada vez mais nacionalista e cada vez menos soberanista, cada vez mais tradicionalista e cada vez menos conservador. Logo, não podia aceitar o maniqueísmo dos que falavam numa fronteira mítica entre capitalismo e socialismo, entre o Estado e a Sociedade e entre Portugal e a Europa.
Porque depois do globalismo que acompanhou o fim da guerra fria e da integração de Portugal no projecto europeu, nem libertar podia ser construir o liberal com o martelo da injustiça nem conservar o que está podia confundir-se com conservar o que deve ser.

Quem não entende que a justiça é o novo nome da igualdade e a continua a reduzir à comutação, esquecendo que a mesma tem também de ser justiça distributiva e justiça social, está a admitir que pode haver liberdade sem igualdade e libertação individual sem solidariedade, o que pode ser de muita outra doutrina, mas não é certamente da minha.

Quero tentar comprometer-me, muito evangelicamente, com a memória do sofrimento, em vez de alinhar como homem de sucesso, e prefiro assumir a condição de pai, em aliança com os filhos, sem esquecer os pais dos meus pais e os filhos dos meus filhos.

Sendo um marginal de direita, se, por um lado, me considero herdeiro daquela tradição monárquica que sempre assumiu o reino anti-absolutista como uma das melhores formas republicanas de governo que até hoje tivemos, mantenho esta postura anti-moderna, tomando partido pela Vendeia contra o terrorismo da Razão dos sucessivos Robespierres com que o jacobinismo nos tem brindado.

Nunca precisei de ser de esquerda para assumir o libertacionismo, o nacionalismo místico, o federalismo descentralizador, o comunalismo e o solidarismo justicialista, apesar de olhar com simpatia certos esforços dos socialistas proudhonianos.

Coincido também com algum legado da democracia-cristã, mas nunca poderia aderir ao confessionalismo dos que esperam a chegada de um partido centrista, aprovado pela Conferência Episcopal Portuguesa ou por resolução do conselho de ministros, dado que persisto em defender a perspectiva laica, de fundo estóico que marca o profundo humanismo ocidental, onde se devem reconciliar o humanismo cristão e o humanismo maçónico.

Subscrevo, aliás, as teses de certos teólogos da libertação, para quem a força da libertação provém da memória do sofrimento, como consciência negativa de liberdade futura e como estimulante para agir, no horizonte desta liberdade, de modo a superar o sofrimento. Uma memória do sofrimento que força a olhar para o “theatrum mundi” não só a partir do ponto de vista dos bem-sucedidos e arrivistas mas também do ponto de vista dos vencidos e das vítimas, para utilizar palavras de Johann Baptist Metz.

Primeiras intervenções no jornalismo de ideias

O primeiro artigo de intervenção cívica que publiquei, quando andava no primeiro ano da Faculdade de Direito de Coimbra, surgiu no semanário O Debate, em 12 de Março de 1970, com um significativo título: O Mal Está na Raiz. Contudo, a censura logo despachou metade de um texto onde ingenuamente procurava a verdadeira ordem e proclamava a minha fé de jovem monárquico, ainda marcado pelas leituras que fazia de António Sardinha e Luís de Almeida Braga, os meus primeiros mestres.

No artigo seguinte, onde propunha contribuir Para a Reforma do Homem, já mostrava ingénuas pretensões teóricas sobre a solidariedade e o sentido social, sendo claramente influenciado pelo ensino personalista de António Castanheira Neves com quem aprendi a invocar Aristóteles, Kant e Teilhard de Chardin. Foi o ponto de partida para alguma actividade de jornalista de ideias, com centenas de escritos dispersos.

Não me faltou, ainda antes de 1974, uma inequívoca defesa das teses e práticas do General António de Spínola, depois de ter visitado a Guiné, onde, sob o magistério de Manuel Belchior, outro nome de uma galeria de ilustres afastados por não se submeterem ao revisionismo histórico, assisti a algumas sessões do Congresso do Povo e contactei com alguns dos militares que irão ter intervenção no frustrado movimento de 16 de Março de 1974.

Dois anos depois, já tentava analisar a crise psicológica do país, na senda do pensamento de António Quadros, considerando que o absolutismo antifascista continuava tão absolutista. quanto o anticomunismo do antigo regime e temendo que a democracia pudesse perder o sentido dos gestos, naquilo que qualificava como uma espécie de guerra civil fria.

Viviam-se os vícios de uma ressaca pós-revolucionária que não conseguia desatar os nós do 11 de Março de 1975 e quando não se entendia que as maiorias políticas estáveis e coerentes só seriam alcançadas quando precedidas por uma maioria moral e cultural. Aliás, Portugal quase parecia querer entrar para o Guiness da social-democracia que se estendia de José Miguel Júdice a Manuel Alegre, passando por destacados ex-discípulos de Arnaldo de Matos.

Critiquei frontalmente o complexo isolacionista do cavaquismo, a quem convinha à mesma direita um partido que considerasse a direita incompatível com a liberdade, numa altura em que o CDS acentuava a defesa da liberdade e do institucionalismo democrático, contra a nebulosa de um cheque em branco a eventuais homens providenciais. Então, Cavaco Silva tentava fazer o contrário do laxismo dos governos soaristas, assumindo uma acutilância que, apesar de corajosa, tocava, por vezes as raias da arrogância. Porque, se não queria repetir o Marquês de Pombal nem João Franco, parecia, por vezes, cair nas tentações de Costa Cabral.

Na altura o líder do PSD afirmava-se social-democrata e bernesteiniano, admirador do socialismo reformista a alemã e adepto da esquerda moderna, quando o respectivo partido não passava de uma entidade atrappe tout, como uma federação de famílias unificadas por um estilo individual de liderança, onde contava menos a ideologia e mais o discurso eficaz, capaz de levar a bons resultados eleitorais.

Poucos percebiam que as pós-revoluções são restaurações, onde a continuidade supera a evolução. Porque aos Invernos, mais ou menos longos, se sucedem as Primaveras e, a estas, os Verões, mais ou menos quentes, para que, com o Outono, se volte ao cair da folha. Aliás, o dito cavaquismo dobrava-se sobre si mesmo e, debatendo-se com os seus próprios fantasmas, corria sérios riscos de esquizofrenia.

Já então considerava que a direita ou seria uma nova direita ou não podia ser nada em termos políticos. Porque a direita que não teme ser de direita concebe a democracia numa perspectiva gassettiana, como uma espaço de diálogo entre adversários. Um diálogo entre posições que, por serem diversas, não podem deixar de ter lugares-comuns.

Critiquei Cavaco Silva por este ter proclamado que quem não apoiasse o respectivo governo seria arrastado pelos comunistas, considerando que o complexo isolacionista podia ser um péssimo conselheiro. Invocando o facto de Sá Carneiro ter denunciado o poder pessoal de Ramalho Eanes, quando este assumiu o hibridismo bonapartista, rejeitei frontalmente a nebulosa de um cheque em branco em eventuais homens providenciais.

Analisei a direita disponível para integrar o situacionismo cavaquista, com destaque para a direita jet-set, a tal direita dos interesses que não quer conciliar-se com a direita dos princípios e que criticava o CDS de então por este se assumir como o partido dos pobres. Porque havia um país das realidades que acredita na liberdade contra o condicionamento da criatividade, que ansiava por justiça social contra os privilégios, que preferia a solidariedade ao falso igualitarismo.

Atacando o PSD, por este pretender assumir-se como um Estado dentro do Estado, considerei que a herança de Sá Carneiro não podia admitir sucedâneos de bipolarização. Uma pentarquia onde os dois maiores partidos queriam bipolarizar-se solitariamente, criando artificialmente um rotativismo que admitiam poder ser de simples governos minoritários.

Saturday, October 16, 2004

As deduções cronológico-analíticas

Face aos inúmeros testemunhos que têm vindo a público sobre actos de saneamento, censura, persiganga, afastamento e outros que tais, movidos pelo presente situacionismo, decidi começar a publicar alguns excertos do meu arquivo pessoal sobre as delícias do presente totalitarismo doce, a nível do poder infra-estrutural.Começo por uma missiva dirigida a um dos inspiradores ideológicos do director de um dos principais diários da nossa praça, bastante íntimo do novo grupo de "think thank" que constitui a matriz doutrinária daquela nossa direita governamental que tem traduzido Bush em calão "pós-moderno".


Exª S... D... e Pós-D... M... da ..:

Ao tomar conhecimento das afirmações de Vossa Excelência, publicadas no "Diário...", e submetendo-me às cronológicas e analíticas deduções que, muito cientificamente, decretou, sugiro que, em nome da fidelidade constitucional, promova a necessária aplicação da legalidade quanto à efectivação da necessária punição proibitiva, sobre as organizações fascistas, ao ... a que pertenço, denunciando a circunstância ao Ministério Público.

Como militante e fundador dessa pérfida organização, para que tão ingenuamente fui arrebanhado, e no seguimento de reiteradas afirmações tão doutorais como a de Vossa Excelência, confirmando, aliás, outras prévias determinações de outros dois colegas do douto colégio científico onde se insere, e sem qualificar tal processo como campanha inspirada por patriarcais semeadores das luzes do milénio, que nisso têm conveniência e oportunidade, apenas me permito solicitar os fundamentos científicos de tal isenta qualificação, agradecendo que me possam ser indicadas as vias bibliográficas e as recolhas de informação existentes em Vossa distinta pesquisa, no sentido da prova de tão feliz e livre expressão, sem recurso aos agentes da ex-Pide e da ex-KGB que frequentam certos círculos universitários, onde, eventualmente, podemos cruzar-nos.

Caso Vossa Excelência tenha consigo a verdade qualificativa, quero, desde já, manifestar-lhe a minha disponibilidade para a instituição de um rápido e eficaz movimento de caça aos fascistas que livre a nossa democracia pluralista desses ferozes bandos de extremistas da direita e, caso seja possível, também de outros não menos ferozes criadores dos totalitarismos do centro, da direita e da esquerda, incluindo ex- e actuais fascistas, estalinistas, trotskistas, maoístas, miguelistas, congreganistas, integralistas, maurrasianos, ministros de Salazar, Vasco Gonçalves, admiradores de Pol Pot e outros que tais.

Espero que disso sejam isentos certos devaneios juvenis de totalitarismo esquerdista de actuais e pretensos professores e monopolizadores do conceito de democracia.

Com toda a solidariedade extintiva, e reconhecendo a eficácia da regra propagandística que determina o "menti, menti, que da mentira alguma coisa fica".José Adelino Maltez, detentor do exame da quarta classe do ensino primário lusitano.

Carta-compromisso de actuação política (1985)

Lisboa, 30 de Novembro de 1985
Exº Sr. Professor Doutor Adriano Moreira

Porque Deus escreve direito por linhas tortas, os desígnios do "acaso" e o providencial da "necessidade" fizeram eleger V. Exª como Presidente da Comissão Política do CDS, com uma nova equipa directiva, a que tenho a honra de pertencer. Mudança de líder e, porque o estilo é o homem, uma inevitável alteração do discurso ideológico do partido, com redução da chamada sensibilidade liberal à dimensão de mera sensibilidade.

Acontece que, no partido, sempre me afirmei como alguém da direita liberal, desde a moção que subscrevi no último congresso a várias intervenções na comissão política e nos conselhos nacionais. Sempre estive próximo das linhas de força do discurso do Dr. Lucas Pires, menos pela amizade que a ele me liga, do que pela identidade de origens e de percurso políticos.

Não considerei e continuo a não considerar tal posição como incompatível com o apoio ao Senhor Professor e, muito menos, incompatível com o fazer parte da equipa que V. Exª dirige. Não foi por acaso que, no primeiro conselho nacional depois das últimas eleições, fui um dos primeiros conselheiros a propor expressamente a liderança do Senhor Professor e, simultaneamentem a proclamar a minha solidariedade activa para com as posições políticas do Dr. Lucas Pires.

Mas para que não surjam equívocos e eventuais acusações de oportunismo, sinto o dever de manifestar-lhe expressamente estas posições. É que podem mudar-se os tempos, mas as "viradeiras" não me fazem mudar de vontade e, muito menos de ideário. Ora, o silêncio pode gerar nebulosas e não queria deixar de clarificar situações, até porque não sei comprometer-me com reservas mentais.

Com efeito, apenas aderi ao CDS na sequência do V Congresso, acolhendo-me à sombra da bandeira do nacionalismo liberal. Porque, até então, nunca me seduziu o carisma de Freitas do Amaral (carisma, por carisma, sempre fui sá-carneirista), nem os preconceitos de esquerda do centrismo que afectavam os dirigentes históricos do CDS.

Sujei as mãos na luta política desde a adolescência, quando me comprometi na defesa da nação lusotropical. Monárquicos desde os bancos do liceu, amadureci a minha formação jurídica, que me desvendou os segredos do Estado de Direito e a axiologia jurídica personalista.

Cheguei então a dirigente da direita universitária de Coimbra e participei nas paixões dessa geração contraditória que circulava pela Cidadela e pela Oficina de Teatro. Uma geração que, repudiando o marcelismo e, sendo, pela esquerda, apodada de "extrema-direita", vivia a tensão entre certo romantismo nacional-revolucionário e a permanência de um tradicionalismo monárquicos, institucionalista e anti-estatista. Foram estas as raízes de direita cultural que nos marcaram, permitindo-nos observae a revolução de 1974 como inevitável consequência do império da esquerda.

O PREC foi para nós a continuação da resistência e, atirados para o exílio, a prisão, o saneamento ou a simples marginalidade, não pudemos, ou não quisemos, ser actores da encenação partidária ocorrida a partir de 1974. Muitos de nós vieram apenas a reencontrar-se com a política activa através da imaginação criadora do Dr. Lucas Pires, já depois da chamada revolução conservadora ter feito renascer a direita ocidental.

A história vivida e a história estudada fez-me anti-revolucionário e o pendor tradicionalista fez-me acentuar o anti-absolutismo. Permaneci de direita e assumi-me como liberal.

No meu caso, fui especialmente marcado pelo estudo da história das ideias políticas portuguesas e pela redescoberta do nacionalismo liberal de Garrett, Herculano, Pascoaes e Leonardo Coimbra. E não é por acaso que, conquenta anos antes do Dr. Lucas Pires, já Fernando Pessoa teorizava o nacionalismo liberal.

Não se trata evidentemente do neoliberalismo estrangeirado, citador dos Hayeks e outros autores da moda. E muito menos da cedência a qualquer costela jacobina. Considero, aliás, que a nossa direita integralista e salazarista sempre teve preconceitos em convergir com o liberalismo regenerador e o republicanismo conservador, esquecendo que grande parte dos nossos liberais apenas procurou restaurar o consensualismo pré-pombalino.

É este o meu "ser de direita liberal". Marcado pela mesma fonte axiológica que levou à democracia-cristã original, ainda corporativa e hierarquista (não é por acaso que o nosso primeiro partido democrata-cristão se chamou nacionalista); fiel à mesma matriz que gerou a democracia social do pós-guerra, institucionalista e personalista, considero que este fundo permanente de valores pode agora iluminar a sensibilidade liberal, acentuando a luta contra o estatismo, socialista, social-democrata ou simplesmente tecnocrático. É esta a principal frente de combate, depois de outrora ter acentuado o anti-individualismo e o anti-colectivismo.

Aquilo que considero como a terceira geração da democracia-cristã, a síntese entre a perspectiva liberal e a perspectiva cristã, por enquanto apenas se prenuncia, ainda sme claros contornos doutrinários. Mas o renascimento liberal e conservador do Ocidente vai impulsionar essa convergência que, nos países de tradição católica como o nosso revestirá formas diversas das sínteses alcançadas em sociedades marcadas pelo conservadorismo laicista dos partidos liberais clássicos.

Nacionalista por princípio e apenas liberal por conclusão, considero que o CDS só se enraizará na sociedade portuguesa quando se portugalizar doutrinariamente.

Senti-me no dever de expressar esta minha posição através do presente meio. Julgo que a melhor forma de poiar o Senhor Professor, para servir o partido e a nação, é não ser adrianista, no sentido de yesman. Não sou catavento doutrinário nem imobilista ordtodoxo. Acredito. E uma equipa é tanto mais unida quanto melhor potenciar a integração de difernetes sensibilidades e geração. Julgo que, na essênciam nada do que aqui afirmo constitui uma novidade para o Senhor Professor.

Com todo o respeito e consideração

Wednesday, October 13, 2004

Contra a "servitude volontaire"

São Julião da Ericeira, em 3 de Agosto de 2002

Exº Senhor Professor Doutor J...:

Tendo recebido, no meu primeiro dia de férias, a carta de Vª Exª, e superando a tentação de silêncio que me assolou, para evitar o inevitável processo de emotiva réplica que agora desencadeio, cumpre-me observar o seguinte:
1
A tal coisa que circula na Internet dura há vários anos (desde 1998) e não consta que tenha sido lançada depois da recente derrota eleitoral dos socialistas. As afirmações nela constantes apenas constituem peças de um curriculum livremente comentado que faz parte da minha soberania pessoal e me é permitido pela liberdade dos actuais meios tecnológicos e pelo regime de valores da Constituição que nos rege. E raros são os visitantes do “site” que percorrem a chateza das auto-contemplações carreirísticas, como o posso atestar pelas estatísticas das cerca de quinze mil consultas registadas... Talvez mais incisivos em nominalismo tenham sido alguns artigos de opinião já publicados e uma conferência que proferi no IPSD, dentro do normal exercício do direito de oposição ao poder estabelecido, nomeadamente pela reivindicação da avaliação dos avaliadores, para além da nomeação decretina.
2
A eventual crueldade das minhas afirmações terá, talvez, a violência categorial da vítima e o azedume individualista do revoltado, mas, segundo a minha perspectiva, tais comentários traduzem as consequências observáveis pela ditadura dos factos, facilmente analisáveis a posteriori. Qualquer observador da actuação de grupos de pressão e de grupos de interesse, mesmo que não interesseiros, em torno da Universidade Portuguesa das últimas três décadas, detecta, sem dificuldade, um grupo Veiga Simão, onde o patronímico não é ofensa, mas evidência e até elogio ao dinamismo do inspirador. Da mesma forma, ligá-lo ao adjectivo socialista é simples adjectivação politológica que não significa acusação de falta de tolerância, mas mera análise de um complexo relacional, onde apenas faltam algumas pontas, passíveis de futura indiscrição, e que me não surpreenderão, quando for possível fotografar em profundidade os meandros do soarismo e os efeitos jogos de poder do fim do regime da Constituição de 1933 nas irmandades de hoje. Continua a ser um elogio dizer que, como já o escrevi e publiquei, que em Portugal, nas últimas três décadas, entre os ministros da educação, apenas sobressaem Veiga Simão e alguns meses de Sottomayor Cardia. Os outros não passam de reedições do primeiro, entre os José Reis e os Reis José da cepa torta que, aceitando o mito pombalista de uma reforma sem ratio studiorum, não percebem a efusão de sucessivos monstros sistémicos que, adquirindo a lógica própria da mediocracia, se transformaram num inferno que escapa às boas intenções do próprio criador. Essas tais criaturas quase ideológicas que se libertam dos criadores, onde a ideia dominante do there is no alternative constitui espaço aberto para os atavismos revolucionaristas ou reaccionaristas, esses sim os verdadeiros inimigos de uma autêntica reforma, que só o será se for revolucionária nos objectivos e conservadora nos valores. É o que tenho sofrido no terreno, ao longo destes 26 anos de professor que professa nas aulas e não nos gabinetes dos educacionólogos da 5 de Outubro, onde dominam os aureolados por certos doutoramentos de chouriço importado.
3
Reconheço que sou marcado por aquela rusticidade que nunca se adaptará à sociedade da corte, e que tem a ilusão de querer ser de um só rosto e de um só parecer. Assumindo-me como radical contra a “servitude volontaire”, aprendi a dizer “não” à falta de autenticidade daqueles jogos de poder que nos obrigam a torcer para não quebrar. Aliás, apenas militei num grupo político-partidário entre 1983 e 1988, onde acedi aos lugares cimeiros depois de conquistar pela via eleitoral posições em assembleias de freguesia e concelhias, bem como em congressos. A política faz-se de baixo para cima, horizontalmente, e não pela via do verticalismo dos influentes. E sempre o fiz em nome de uma ideia “liberal”, resultante da soma do “liberdadeiro” com o “libertacionista”, de acordo com aquilo que considero a nossa tradição “azul e branca”, conforme a síntese da “santa liberdade” da traída Maria da Fonte.
4
Considero assim que a razão de Estado não tem uma ética diferente da ética da convicção, a não ser para os que se julgam iluminados e como tal se excepcionam, ao invocarem, como regra de conduta, a mera ética da responsabilidade que, parecendo ter razão no curto prazo, a perde no médio e longo prazos, sendo portanto uma má moral e uma péssima política.
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Em termos estritamente pessoais, nada me move contra Vª Exª, de quem guardo a imagem de dialogante mestre coimbrão e de convicto patriota, e de quem quero recordar apenas as longas viagens que fizemos para a ..., esquecendo outros compreensíveis esquecimentos, nascidos da ingenuidade de quem pensou ter criado laços pessoais de confiança que ultrapassariam os habituais intermediários. Em termos de avaliação política, julgo poder fazer os juízos provindos das minhas crenças e das minhas informações, e, consequentemente, assumir as rupturas consideradas pertinentes. Mas nunca terão a importância de acederem sequer a uma nota de rodapé das histórias oficiosas. Peço apenas que não me qualifique subliminarmente de acordo com os fantasmas da sua primeira passagem pelo poder, dado que não pertenço nem nunca votei nos actuais gestores do poder governamental, situando-me em zonas bem mais heterodoxas, como atesta o facto de ter sido um dos fundadores do extinto Movimento de Intervenção Radical. Aliás, a consulta das fichas da extinta PIDE/DGS bem poderia atestar que, mesmo antes de 1974, já era pouco fiável, porque apareço ligado, logo em 1969, a um concorrente da oposição, fazendo parte daquele largo espectro antimarcelista da direita coimbrã, onde não havia apenas os “ultras”, mas também alguns monárquicos oposicionistas, alguns dos quais até são descendentes de silenciadas vítimas que passaram pelos cárceres do Estado Novo, como é o caso do subscritor destas linhas. Assumo-me pois como alguém que faz parte daquela direita que não convém à esquerda, mas invoco a linhagem de uma aldeia que tanto protagonizou a Revolta do Grelo como os tumultos de 1936.
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Doeu fundo ter sido violentamente arrancado de uma instituição a que dei o melhor da minha inteligência e do meu coração, em nome de meras considerações de conveniência e oportunidade, onde as tácticas se esqueceram da estratégia e da comunidade viva de alunos e professores, que não havia sido por elas inspirada, conduzindo-a a uma derrota não reconhecida, porque transplantada para outras instituições e para a própria gestão daquilo que se pretende como a instituição das instituições e que conduzirá a Universidade à ruína.
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De que pouco valem os efeitos emergentes, quando o poder pelo poder, de maquiavélicos ou nietzschianos, avassala os jogadores e passam a ser meras insignificâncias as eventuais consequências persecutórias, mesmo que sejam levadas a cabo pelas sargentadas de má memória, contra aqueles que, depois de serem usados no estádio anterior, não se adaptaram às novas circunstâncias.
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Julgo que as instituições não devem depender dos caprichos dos que a comandam, mesmo que estes se assumam como os respectivos fundadores. Até acrescento que o que se passou na Universidade ... foi para mim mais doloroso que o facto de ter sido um dos 18 estudantes expulsos da Universidade de Coimbra em 1975. Porque no PREC havia a clareza da luta de crenças, enquanto na pós-revolução crepuscular dominam os jogos florentinos dos habituais navegantes do situacionismo, à procura de epitáfio.
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Julgo ter percebido o poder infra-estrutural em que me obrigam a mover, o que é amplamente comprovado pela tentativa de assassinato de carácter que alguns agentes da cultura de delação continuam a perpetrar contra a minha pessoa. E neste regime que ajudei a caboucar, como adjunto político de vários governos dos finais da década de setenta e dos princípios dos anos oitenta, desde o sexto provisório aos três presidenciais, não admito ter que pedir certificados de comportamento cívico aos que a ele acederam apenas no depois. No depois do risco assumido por muitos anónimos que, no terreno, permitiram a justa mudança de enquadramento, conforme o processo libertador da democracia pluralista.
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A história e aquilo que outros arquivos discretos continuam a resguardar poderão dar-me, ou não, razão. A minha intuição também pode errar, mas o conhecimento directo que tenho da metodologia utilizada noutros casos faz-me intuir a linha imediata de comando objectivo em todas estas coincidências, sem necessidade de recurso à estafada teoria da conspiração, do compadrio ou do comadrio. É tudo tão simples quanto a vindicta.

Reconheço o incómodo causado pela insignificância do autor de tais interpretações históricas, mas sou obrigado a tomar as devidas atitudes quanto às responsabilidades assumidas.

Agradeço que o Senhor Professor tenha tido a coragem de me interpelar directamente e, em nome dessa frontalidade, solicito a Vossa Excelência que, como ... da ..., faça activar a possibilidade de não mais ter que conviver com a minha insolência. Por isso lhe peço que, à instituição em causa, faça chegar as missivas anexas. Mais prometo que afastarei o seu nome da tal página da Internet, face ao incómodo pessoal que lhe provoquei.

Com os melhores cumprimentos


José Adelino Eufrásio de Campos Maltez